Mancha escura no mar de João Pessoa revela sofrimento de mangue e 'rio morto'; entenda

  • 12/04/2025
(Foto: Reprodução)
Esgoto clandestino e efeitos da urbanização desordenada prejudicam o mangue, entre João Pessoa e Cabedelo, e o Rio Jaguaribe, que fazem parte do ecossistema onde uma mancha escura apareceu. Água das praias do Bessa e de Intermares ficou escura e apresentou coliformes fecais. Julius Guimarães/Arquivo Pessoal Uma mancha extensa, escura e de péssimo cheiro invadiu um trecho do mar de João Pessoa há cerca de três semanas e sumiu poucos dias depois, mas o que parecia ser apenas uma mudança na cor da água mostrou um ecossistema ameaçado, composto por rio, manguezal e mar. (veja infográfico abaixo) 🌊Como é a região: a mancha apareceu na praia do Bessa, área urbanizada e turística, no limite entre a capital paraibana e a cidade de Cabedelo. O lugar é um estuário, onde um trecho do Rio Jaguaribe chega a um mangue para desembocar no mar à frente. A foz do rio é o oceano, porém, é comum ele ficar retido no manguezal. A água da mancha escura veio de um sistema poluído de rio e mangue e foi parar na praia, de acordo com especialistas. Segundo a Superintendência de Administração e Meio Ambiente da Paraíba (Sudema), a suspeita é que a água do mangue desaguou no mar junto com a água do rio. O órgão prepara um laudo sobre o problema. (leia mais abaixo) Mas o que está contecendo nesse ecossistema? O g1 mostra em seis pontos como a área costeira onde a mancha surgiu sofre com a poluição histórica do Rio Jaguaribe e a degradação ambiental do manguezal. LEIA: 1. O que é o Rio Jaguaribe "morto"? O Jaguaribe é um dos principais rios de João Pessoa e foi desviado nos anos 1920: uma parte corta 27 bairros, nasce na Zona Sul e segue para bairros da região Leste, e o outro trecho, conhecido como "rio morto", mantém-se no caminho original do Jaguaribe, mas perdeu conexão física com o leito principal. Ele vai do bairro de Manaíra ao Bessa, desaguando no manguezal e no mar do Bessa, onde a mancha se formou. Mancha escura no litoral da PB Arte g1 De acordo com o urbanista Marco Suassuna, o desvio do rio foi feito para melhorar a drenagem durante a estiagem e reduzir as enchentes que ocorriam no período chuvoso. "Essas ocorrências de enchentes nas várzeas do rio eram um obstáculo natural ao crescimento da cidade em direção ao litoral. O Rio Paraíba, de cota mais baixa e maior vazão, foi o receptor desse desvio do Rio Jaguaribe, alterando seu leito original e provocando impactos ambientais", diz. Segundo Suassuna, o trecho "morto" é alimentado por águas da chuva e da rede de drenagem, mas também acumula esgoto e resíduos devido à urbanização desordenada. Mancha escura no mar da Paraíba pode ter relação com poluição e esgoto da região A pesquisadora e bióloga Cristina Crispim garante que, apesar de ser chamado de "morto", ele é biologicamente vivo, mantém um ecossistema natural e também recebe água por percolação do lençol freático — processo em que a água infiltra-se no solo e recarrega os aquíferos. 2. O que explica a poluição no Rio Jaguaribe? A bióloga Cristina explica que a principal causa da poluição no Rio Jaguaribe é o esgoto, que compromete a qualidade da água desde as nascentes até a foz, onde o rio deságua no Bessa. O pesquisador e biólogo Tarcísio Cordeiro também destaca que o problema não é de um trecho específico do Rio Jaguaribe, e sim generalizado. “A poluição está entrando em todos os trechos do rio, em todos os afluentes”, concluiu. Segundo ele, a remoção da vegetação agravou o problema. “Não precisa ser um cientista para saber. É um conhecimento ancestral, mas que foi esquecido temporariamente, de que 'sem árvores, sem água'. Se as nascentes secam, há menos água no rio para diluir a poluição. O resultado é que todos os serviços ambientais dos rios vão sendo eliminados, ficando só um: esgoto”, afirmou o pesquisador. A Sudema também afirma que na área ao redor do "rio morto" existe uma forte urbanização desordenada, com comunidades ribeirinhas lançando dejetos diretamente nas águas do rio. Rio Jaguaribe desaguando no mar, na praia do Bessa, em João Pessoa, no dia da aparição da mancha. Yanka Oliveira / TV Cabo Branco 3. Água da foz com 7 vezes mais coliformes que o aceitável A professora de Química da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Vivian Stumpf, recebeu do movimento ambiental Esgotei, de João Pessoa, uma amostra de água coletada no dia da mancha na foz do rio. A amostra foi analisada no Laboratório de Cromatografia e Quimiometria Aplicada (Lacqua-UFPB). Segundo a pesquisadora, foram avaliados 25 parâmetros diferentes, e os resultados indicaram uma qualidade ruim da água. A análise identificou uma contagem de 15.360 bactérias Escherichia coli, um indicativo de contaminação de origem fecal humana ou animal. O valor para que a água seja considerada própria para banho é de 2.000, ou seja, um nível 7,8 vezes menor que o encontrado na água da foz. Os testes também apontaram alteração na coloração e um nível de oxigênio dissolvido muito abaixo do esperado, o que impossibilita a sobrevivência de peixes. Além disso, o nitrogênio encontrado na água foi na forma orgânica e amoniacal, sinal de uma contaminação recente. "O nitrogênio, quando excretado pelo organismo humano ou de animais, ele é excretado na forma de nitrogênio orgânico e vai a nitrogênio amoniacal, a nitrito e a nitrato. Quando a gente analisa nitrogênio orgânico e amoniacal, é uma confirmação de uma contaminação recente daquela amostra de água", disse. Vivian ressaltou que o estudo foi realizado com base em uma única amostra recebida pelo laboratório, sendo fundamental ampliar a investigação para todo o leito do Rio Jaguaribe. Laboratório da UFPB também analisou amostras da água da Foz do Rio Jaguaribe Reprodução/TV Cabo Branco 4. Mangue, reta final do rio: APP, animais e esgoto O Maceió do Bessa, um manguezal, recebe o Rio Jaguaribe "morto" e tudo que ele traz consigo. "A poluição que vem ao longo do rio acumula-se no mangue, causando todos os problemas que se viram recentemente. Enquanto a água estava presa no mangue, ninguém percebia. Mas, quando o mangue — por causa das chuvas — rompeu a barreira para o mar, todos viram o que se passava", destacou Cristina. Cristina explicou que a matéria orgânica e o esgoto são metabolizados no mangue, ou seja, decompõem-se e liberam nutrientes na água. Ela também afirma que os mangues costumam ter uma coloração mais escura devido aos compostos sólidos dissolvidos na água, mas avalia que a cor da água na Foz do Rio Jaguaribe estava mais escura do que o normal no dia da mancha. "Todo o rio vai chegando com toda a poluição, se acumula no mangue, aumenta a decomposição, reduz a quantidade de oxigênio na água e, por conta disso, compostos como a amônia e o sulfeto não sofrem redução. O sulfeto tem mau odor, por isso, quando a água saiu para o mar, sentiu-se tanto mau cheiro por que o rio, por tanta poluição, está muito pobre ou mesmo sem oxigênio, favorecendo essas formas químicas", afirmou a pesquisadora. Segundo o Código Florestal Brasileiro, os mangues são considerados Áreas de Preservação Permanente (APP), o que impõe uma série de restrições, mas nos dias seguintes à aparição da mancha fiscais flagraram, no Maceió do Bessa, imóveis construídos em área de mangue, criação de gado, lançamento de esgoto diretamente no manguezal e tubulações irregulares. A vistoria foi feita pela Secretaria de Meio Ambiente (Semam). O manguezal possui uma placa indicando que ali é uma área protegida, mas as inscrições estão apagadas e mal dá para ler nela o que está escrito. Um inquérito civil aberto em julho de 2024 pelo Ministério Público também apura a invasão e degradação ambiental no Maceió do Bessa, em uma área utilizada para depósito de sucata e moradias. O processo está em andamento, mas sem decisão quanto à denúncia à Justiça ou responsabilização de quem cometeu a ilegalidade. Placa informando que mangue é área de preservação ambiental Reprodução/TV Cabo Branco 5. O que havia na água da mancha? Segundo a Sudema, testes apontaram que a água da mancha apresentava cor e odor forte característicos do manguezal, mas também havia a presença de coliformes fecais, o que sugere a contaminação por esgoto. Apesar de afirmar que a quantidade de coliformes fecais não era "alarmante", a Sudema recomendou que os banhistas evitassem o contato com a água em uma área de até 100 metros à direita e à esquerda do ponto de vazamento. O trecho ficou impróprio para banho durante duas semanas, mas voltou a ficar próprio no dia 4 de abril. 6. É possível recuperar o Rio Jaguaribe? Os pesquisadores afirmam que toda forma de poluição tem solução. Segundo eles, é possível restaurar a qualidade dos rios com o tratamento adequado do esgoto. No entanto, também são necessárias políticas públicas eficazes e a identificação dos lançamentos irregulares. A pesquisadora Cristina Crispim destaca que há soluções simples e de baixo custo para o tratamento de esgoto, como as fossas ecológicas. Esses sistemas funcionam como hortas ou canteiros de flores e, quando instalados em comunidades, permitem o tratamento coletivo do esgoto. As plantas têm papel fundamental: ajudam a descontaminar a água, que pode ser reutilizada na irrigação ou devolvida ao meio ambiente com qualidade. No bairro da Penha, em João Pessoa, um canteiro de flores com apenas 10 metros quadrados foi construído e hoje trata o esgoto de 22 residências. De acordo com a pesquisadora, o tratamento de esgoto por meio de pequenas centrais poderia se espalhar pela cidade. O urbanista Marco Suassuna explica que é necessário identificar pontos de contaminação diretos e indiretos por meio de uma força tarefa entre os órgãos de controle, agências de saneamento e especialistas. Também é importante mapear residências precárias em situação de risco, para serem realocadas para moradias saudáveis e com tratamento de esgotos. Com isso, recuperar a mata ciliar e promover educação ambiental. O que dizem as autoridades Técnicos da Divisão de Fiscalização da Secretaria de Meio Ambiente de João Pessoa (Semam-JP) e de Cabedelo realizaram vistorias na área do Maceió do Bessa após o surgimento da mancha. Diversas irregularidades foram identificadas, como a criação de gado. Os responsáveis foram informados de que precisam retirar imediatamente os animais da área. Segundo a Semam de João Pessoa, essa e outras infrações serão incluídas em um relatório técnico que servirá de base para as ações de recuperação do local pelas autoridades competentes. Além disso, informou que realiza ações de fiscalização, preservação e recuperação das áreas degradadas ao longo do leito do Rio Jaguaribe. Entre elas, a elaboração de um relatório que avaliou as nascentes, ações de recuperação de áreas de mata ciliar, retirada de vegetação invasora e replantio de vegetação nativa. A Semam de Cabedelo afirmou que também está preparando uma nova ação de fiscalização, em parceria com a Sudema, a Companhia de Água e Esgoto da Paraíba (Cagepa) e a Semam de João Pessoa, com data ainda a ser definida. A Sudema afirmou que está em fase de planejamento da nova etapa do projeto Praias Limpas, direcionado aos rios urbanos da capital. Toda a extensão dos rios será vistoriada, incluindo o Rio Jaguaribe e o "rio morto". Um procedimento foi instaurado pelo Ministério Público da Paraíba para investigar a mancha escura no mar. O promotor Edmilson de Campos Leite Filho, responsável pelo meio ambiente, recebeu um plano de ação da Sudema, que tem o objetivo de identificar lançamentos clandestinos de esgoto no rio e em seus afluentes, além de avaliar a qualidade da água. Ele também afirmou que aguarda o laudo técnico da Sudema sobre a amostra de água coletada na Foz do Rio Jaguaribe para continuar analisando a questão. De acordo com o presidente da Cagepa, Marcus Vinícius Fernandes Neves, a mancha escura não é causada exclusivamente por esgotamento sanitário clandestino, mas também pelas características naturais do mangue e pela falta de movimentação da água no trecho. Segundo ele, há rede de esgoto implantada na região das praias de Intermares e Bessa, mas a área da foz do Rio Jaguaribe é uma área de preservação permanente, o que impede a realização de adequações. Ainda há projetos para a ampliação da rede de esgoto da capital. Ele também afirma que uma das soluções buscadas para o problema é, em parceria com órgãos ambientais, a educação ambiental e sanitária da população. Semam de João Pessoa e Cabedelo realizaram fiscalização na região do Maceió do Bessa Reprodução/Semam-JP Mancha escura invadiu mar no litoral da Paraíba em 17 de marça de 2025. TV Cabo Branco/Reprodução Vista área do limite entre João Pessoa e Cabelo exibe mancha no mar Reprodução TV Cabo Branco Manguezal por onde passa o Rio Jaguaribe "morto" na praia do Bessa, em João Pessoa Reprodução TV Cabo Branco

FONTE: https://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2025/04/12/o-que-a-mancha-escura-no-mar-da-paraiba-revela-sobre-o-sofrimento-de-um-rio-e-um-mangue.ghtml


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